Em entrevista Zelaya acusa Estados Unidos de arquitetar sua derrubada

À frente da esquerda, Zelaya defende um
novo modelo político-econômico, que chama de
"liberalismo pró-socialista"
José Manuel Zelaya Rosales, 59 anos, é um homem atordoado pelo passado recente. Em 28 de junho de 2009, o então presidente de Honduras foi retirado do palácio presidencial no meio da madrugada, ainda de pijamas, e levado para a Costa Rica. Em 21 de setembro, retornou a Tegucigalpa e refugiou-se na Embaixada do Brasil, onde permaneceu hospedado por 128 dias. Após firmar um acordo com o presidente eleito, Porfirio Lobo, deixou o país novamente rumo ao exílio, na República Dominicana. A volta definitiva à capital hondurenha ocorreu no último sábado, em grande estilo. Manuel Zelaya foi recebido por uma multidão no aeroporto. Em entrevista ao Correio, o líder deposto de Honduras falou por 10 minutos sobre seus planos políticos, revelou a gratidão pelo Brasil e lembrou o exílio. "É uma tortura. A gente se sente estrangeiro e estranho", desabafou. À frente da esquerda, Zelaya defende um novo modelo político-econômico em seu país, baseado no liberalismo pró-socialista. Ele acusou o Departamento de Estado norte-americano de ter arquitetado uma conspiração para retirá-lo do poder, dois anos atrás.

Após colocar-se à frente da esquerda, quais são seus projetos políticos? Pretende voltar à presidência?
O principal projeto nosso é uma proposta para a nação hondurenha, para o povo hondurenho. Somos a favor de um debate sobre o governo neoliberal que governo nosso país — que sofre há muitos anos com altíssimos índices de pobreza. Eu gostaria de ver o crescimento (econômico) como opção à pobreza. No entanto, essa situação tem se agravado. Por isso, nosso projeto pretende questionar o modelo neoliberal e buscar a resposta de um modelo alternativo, um liberalismo pró-socialista. Um modelo que recorra a princípios liberais, mas que seja socialista. Os princípios de liberdade de imprensa, de direito à propriedade, de acesso à universidade pública. Mas com uma visão sobre o desenvolvimento eminentemente social. Eu lhe respondo que vamos iniciar uma luta política e, dentro de dois anos, apresentaremos um movimento político para ascender ao poder, para ganhar as eleições.

O senhor não teme ser assassinado por forças da oposição? Por que retornou a Honduras nesse momento?
Bem, os assassinos não têm pátria. Eu considero que é preciso derramar sangue do povo hondurenho para solucionar os problemas da pobreza, da corrupção e do militarismo, para instalar um governo de facto. Seria um erro terrível da direita do continente americano se mandassem me assassinar, por problemas ideológicos.

A quem interessou o golpe de 28 de junho de 2009? Acredita mesmo numa conspiração internacional?
Há uma sentença de mudança revolucionária, pacífica e democrática na América Latina que a direita ameaçou impedir, interromper. Mas eles não podem detê-la. Podem estancá-la por um momento. Essa conspiração veio por parte de Roger Noriega e Otto Reich (subsecretários de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental), que são americanos que eu mesmo acredito estarem por trás disso.

Como foram os dois anos de exílio na República Dominicana?
É uma tortura o exílio. Viver sem pátria é viver sem honra. Eu recebi muito amor, muita solidariedade. Criei uma segunda pátria, que é a República Dominicana. Mas, sempre, em qualquer lugar do mundo, a gente se sente estrangeiro e estranho. É uma tortura permanente. O meu retorno é uma vitória para a resistência, para o povo hondurenho, para a América Latina — que me apoiou —, para todos os países. Foi um grande retorno. Também reconheço que, sem a assinatura do governante (Porfirio) Lobo Sosa (presidente de Honduras), tampouco isso seria possível. Para ele e, sobretudo para o povo, minha gratidão permanente.

Qual é a importância de um plebiscito para reformar a Constituição de Honduras?
A democracia, no continente americano, está restrita ao modelo representativo. Queremos que ela passe para a democracia participativa, na qual o povo não só vai às eleições, como participa de referendos, plebiscitos, consultas e processos de incorporação da base popular às decisões do Estado. Isso tem sido feito por (Rafael) Correa (presidente do Equador), foi feito por (Hugo) Chávez (Venezuela) e por (Evo) Morales (Bolívia). Também está sendo realizado pela Argentina e por diversos países. Creio que é sumamente importante entender que quando um operário como Luiz Inácio Lula da Silva chega ao poder de uma nação e começa a implementar programas sociais que a beneficiem… E quando Dilma Rousseff, uma mulher de esquerda, chega ao poder… É sinal de que o mundo está mudando. Os Estados Unidos não vão dar conta. Os setores da direita ultraconservadora norte-americana seguem lutando uma guerra fria, uma guerra que já não existe. A cada vez que apresentamos um plano de reforma, somos vistos como comunistas. Se o mundo muda, os Estados Unidos também têm que mudar.

Que relação o senhor pretende estabelecer com o Brasil de Dilma Rousseff?

Penso visitar o Brasil. Será o primeiro país que visitarei, dentro de três meses. Vou agradecer o apoio do povo brasileiro à presidente Dilma Rousseff, ao chanceler Antonio Patriota e ao ex-chanceler Celso Amorim, ao presidente Lula, ao Marco Aurélio (Garcia, assessor da Presidência para Assuntos Internacionais). O povo brasileiro escolheu uma opção democrática frente ao militarismo, e isso é digno de se reconhecer. Já entrei com a petição para a visita. A data será divulgada pelo Planalto nos próximos dias. A presidente Dilma é quem resolverá.

Como analisa as críticas que Lula recebeu por ter permitido sua permanência na Embaixada do Brasil?
As críticas ao governo do Brasil foram injustas. O Brasil não sabia de minha entrada em Honduras. Nem Lula nem Amorim sabiam. Eu tinha uma lista de três embaixadas: Brasil e outras duas representações. Fui à Embaixada do Brasil e fiquei duas horas na rua, à espera da autorização de Lula. Quando Lula e Amorim foram localizados, eles aprovaram que me dessem um asilo temporário. Iniciou-se, então, um processo de diálogo, que fracassou. E ele fracassou porque os Estados Unidos o boicotaram, violentaram o processo de diálogo. Os EUA mudaram sua posição, ambígua e ambivalente. O Brasil desempenhou um grande papel de uma sociedade democrática, como um país solidário a um problema real que tínhamos em Honduras — o desejo de se montar uma ditadura militar.

O senhor acredita que Honduras será reincorporada em breve à OEA?
Depois de um acordo político, claro que sim, é possível. Creio que isso ocorrerá, para tratar de normalizar os problemas que existem aqui — como a repressão, o genocídio, o magnicídio e o assassinato. É um processo judicial. Não cabe aos políticos dar a sentença. Firmamos um acordo político de reconciliação democrática. Assim como o Criador do universo fez o mundo em sete dias, em um só dia não se pode fazer todas as demandas da sociedade hondurenha.

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