Passados praticamente dez anos dos primeiros estudos, no Brasil,
sobre mulheres policiais militares, observa-se que a produção nacional
aumentou assim como neste período a publicação internacional tem
dispensado razoável atenção ao tema na perspectiva da redução da
violência, entendendo que a inserção de mulheres nas polícias leva
consigo a possibilidade de discussão das diferenças e o respeito a
estas.
Como abordagem recorrente na produção bibliográfica internacional, a
ênfase está nos elementos da tríade reforma policial, concepções de
segurança pública, inserção de mulheres, e produção do conhecimento.
Estão nesses estudos articuladas entre si, categorias fundamentais, que
são: o conceito de gênero; as políticas identitárias das mulheres; o
conceito de patriarcado e as formas da produção do conhecimento.
O que marca de forma radical o tratamento ao tema. Portanto não
somente a produção bibliográfica aumentou, mas, sobretudo, ganhou nova
abordagem. Em que pese novas abordagens, no Brasil, em sua grande
maioria, os estudos mostram-se ainda, descritivos em relação à alocação
de mulheres, apontam as desigualdades de gênero nas forças policiais e o
impacto da violência institucional sobre as mulheres.
Faz-se importante somar-se a estes gender-sensitive police reform –
gênero como potencial de reforma policial. Os estudos internacionais
desenvolvidos pela United Nations Development Programme (UNDP) têm
trazido para o cenário das políticas de segurança pública e das reformas
policiais a necessidade de integrar gender-sensitive police reform
(GSPR), considerando as sociabilidades de homens e mulheres, modelos
construídos, comportamentos e posições sociais os quais passam a ter
protagonismo nas políticas de segurança pública – segurança enquanto
direito – e das reformas policiais. Relatório realizado pela UNIFEM
Progresso das Mulheres no Mundo 2008/2009, mostra que no início de 2007,
o Governo da Índia enviou mais de 100 mulheres polícias para a Libéria.
Sendo esta a primeira Unidade Policial Formada inteiramente composta
por mulheres em toda a história das operações de manutenção da paz da
Organização das Nações Unidas. Conforme a UNIFEM e a Polícia da ONU, o
objetivo é dobrar a proporção de mulheres que fazem parte da sua Polícia
(UNPOL, na sigla em inglês) para 20% até 2014. Em agosto de 2009, a ONU
lançou a campanha “Esforço Global” para aumentar o número de policiais
do sexo feminino atuando nas missões de paz.
Atualmente, do total do contingente na UNPOL servindo em 17 missões,
apenas 8,5% são mulheres. Neste bojo, Bangladesh está tentando recrutar
mais 10 mil policiais do sexo feminino nos próximos meses, enquanto a
Libéria também estabeleceu a meta de 20% até 2014.
A presença de mulheres policiais na Libéria ajudou a aumentar o
número de denúncias de casos de violência sexual e de gênero.
Recentemente, a UNIFEM desenvolveu um estudo no qual centrou-se
especificamente sobre as lições aprendidas com a reforma de gênero na
polícia no Kosovo, na Libéria e Serra Leoa. Os resultados do estudo
mostram que a reforma de gênero na polícia constitui um instrumento
vital para o avanço da implementação da Resolução n° 1.325, as mulheres e
os direitos de execução de direitos humanos no âmbito da Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres (CEDAW). Pensar a reforma da polícia na perspectiva de gênero
(GSPR1) tem a premissa de que homens e mulheres têm seus papéis
construídos, comportamentos, posições sociais, e diferentes acessos a
recursos, o que pode criar vulnerabilidades específicas de gênero ou
inseguranças gênero, alguns dos quais são particularmente importantes
durante e após o conflito. GSPR aplica, portanto, uma análise de gênero
para a polícia e os processos de reforma, garantindo os princípios da
igualdade de gênero. Esses aspectos são sistematicamente integrados em
todas as fases do planejamento a reforma política, projeto,
implementação e avaliação.
Também aborda, por exemplo, como a construção das identidades de
gênero moldam as percepções dos policiais e da planificação da segurança
pública. Como consequência de construir tal reforma, levando em
consideração a perspectiva de gênero nas mais diversas etapas do
planejamento, resultará em contribuir para a construção de instituições
policiais que não sejam discriminatórias, reflexo da diversidade dos
cidadãos e prestar contas à população em geral. Como tal, os serviços de
polícia serão cumprir o mandato essencial da polícia de preservar o
Estado de Direito (2).
Pensando em países onde a inserção de mulheres nas polícias é
recente, sobretudo países que viveram longos períodos de conflitos, a
reforma da polícia deve ser projetada para resolver problemas como a
corrupção, o uso excessivo da força, preconceitos étnicos, discriminação
de gênero e afins, deve trabalhar com cada um desses elementos de
mudança institucional. Portanto, pensar as reformas nas polícias há que
inserir nesta discussão e planejamento a perspectiva de gênero.
Por exemplo, a polícia da Nicarágua tem buscado a “perspectiva de
gênero” como um de seus nove princípios e valores institucionais, para a
reforma policial. Neste sentido, a reforma das polícias é amplamente
entendida como um dos pilares da recuperação pós-conflito, como elo
efetivo de todos os processos de governança. A reforma da polícia, na
perspectiva de gênero, é um componente de extrema importância na
planificação da Segurança Pública Cidadã.
Ainda observamos profundos preconceitos quanto ao gênero nos quadros
policiais. Os estudos, práticas e projetos desenvolvidos pela UNIFEM, no
mundo, têm apontado que as experiências das mulheres trazem consigo ,
na crise das polícias, a potencialidade do novo.
*Márcia Esteves de Calazans é psicóloga Social, professora e Pesquisadora no PPG Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador – Bahia. Líder do Grupo de Pesquisa Violência, Democracia, Controle Social e Cidadania UCSAL\CNPq.
1 Gender Sensitive Police Reform in Post Conflict Societes.
2 Gender Sensitive Police Reform in Post Conflict Societes
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