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Especialistas dizem que articulação entre indígenas tem ganhado 'contornos mais institucionais' nos últimos anos |
Índios brasileiros e de outros países
latino-americanos pretendem usar a Rio+20, conferência da ONU sobre
desenvolvimento sustentável que ocorrerá no Rio de Janeiro, em junho,
para discutir estratégias comuns para o movimento indígena na região.
Segundo a Coordenação das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab), são esperados no evento 1.200 índios
latino-americanos, dos quais cerca de 800 brasileiros. Caso a previsão
se confirme, será o maior encontro indígena internacional de todos os
tempos, diz a Coiab.
Três temas terão destaque nas
conversas, entre 17 e 22 de junho: estratégias para a demarcação de
terras, formas de pressionar os governos nacionais a aplicar a Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina
consulta aos indígenas quanto a obras ou políticas que possam afetá-los,
e o modelo de desenvolvimento nos países da região, que inclui grandes
obras.
"Estamos nos articulando para que o mundo nos
ouça, através de estratégias de comunicação e da internet. Não estaremos
tanto na agenda oficial (da conferência), mas estaremos em salas, em
palestras, divulgando a nossa causa", diz à BBC Brasil Marcos Apurinã,
coordenador-geral da Coiab.
Para abrigar todos os indígenas, será erguido no
aterro do Flamengo, zona sul do Rio, um acampamento com 32 tendas, que
terão estrutura para refeições, montagem de redes e banheiros. Haverá
linhas de transporte gratuitas entre o acampamento e a conferência, na
Barra da Tijuca (zona oeste).
Segundo Apurinã, além de difundir as
reivindicações do movimento, o encontro servirá para alinhar as posições
dos indígenas diante das ameaças que enfrentam em quase todos os países
latino-americanos. "Nossos problemas são praticamente idênticos aos dos
indígenas dos outros países. Mesmo nos lugares sem florestas, os índios
enfrentam dificuldades para ter acesso a água e terras", afirma.
Encontros internacionais
O reconhecimento de que os desafios enfrentados
por índios latino-americanos ultrapassam as fronteiras nacionais tem
feito com que, nos últimos anos, lideranças de movimentos indígenas
venham intensificando as relações com seus pares de países vizinhos, com
vistas a trocar experiências bem-sucedidas.
Esse processo tem sido liderado por organizações
indígenas regionais, como a Coordenação das Organizações Indígenas da
Bacia Amazônica (Coica), que estará na Rio+20. Baseada no Equador, a
organização também contempla movimentos indígenas da Bolívia, Brasil,
Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.
Com o intuito de capacitar seus integrantes para
negociações internacionais, a Coica promoveu na Colômbia, no ano
passado, a primeira Oficina de Formação em Diplomacia Indígena.
Segundo o coordenador técnico da Coica, Rodrigo
de la Cruz, na oficina – que deverá se repetir neste ano – líderes
indígenas foram informados sobre ferramentas do direito internacional
que podem favorecê-los em disputas com governos locais, bem como sobre
técnicas de persuasão e resolução de conflitos.
A Coica, que participou neste ano do Fórum
Social Temático, em Porto Alegre, e de encontro em 2011 em Manaus com
lideranças indígenas da bacia amazônica, também tem buscado fortalecer
sua posição junto a instituições multilaterais, como o Fórum Permanente
da ONU para Assuntos Indígenas.
A intenção, explica Cruz, é ampliar ao máximo os
pontos de apoio do movimento e explorar todos os recursos disponíveis
em seus pleitos.
Eco-92
Segundo Ricardo Verdum, doutor em Antropologia
pela Universidade de Brasília, a articulação entre indígenas tem ganhado
"contornos mais institucionais" nos últimos anos.
"Na Eco-92 (Conferência da ONU sobre o Meio
Ambiente no Rio de Janeiro, em 1992), havia um processo de organização
incipiente conduzido pelas lideranças (indígenas), mas não organizações
com a estrutura atual. Hoje eles estão bem mais atentos, buscando se
organizar de forma politicamente autônoma."
Verdum diz que a integração entre índios
sul-americanos também tem sido impulsionada por políticas
transfronteiriças, como grandes obras que afetam indígenas de países
vizinhos.
No entanto, em viagem à fronteira do Brasil com o
Peru, a BBC Brasil ouviu de líderes indígenas locais que rixas internas
nos movimentos nacionais e a ausência de uma visão comum sobre a
relação entre preservação e desenvolvimento impedem uma aproximação
maior entre índios de países vizinhos.
No Peru, indígenas do Departamento (Estado) de
Madre de Dios reivindicam o direito de explorar ouro em seus
territórios, posição condenada por movimentos brasileiros, que criticam
os impactos ambientais dessa atividade.
Índios peruanos, por sua vez, dizem que o
movimento indígena brasileiro parece estar fragmentado e ter menos força
do que ONGs ambientalistas – que, segundo argumentam, nem sempre
defendem os interesses dos índios.