Indicador que mede a
qualidade da administração financeira dos municípios mostra que
duas em cada três cidades viveu situação difícil em 2010
Despesas com funcionários públicos elevadas, receita própria
reduzida, investimentos escassos ou até inexistentes: essa mistura levou
duas em cada três cidades brasileiras (63,5%) a viver situação difícil
ou crítica em 2010, segundo o Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF)
divulgado oficialmente neste sábado, 17. O indicador, criado pela
Federação das Indústrias do Rio para medir a qualidade da administração
financeira dos municípios brasileiros, aponta que apenas 95 (1,8%) das
5.266 prefeituras pesquisadas ganhou Conceito A - tinham a chamada
Gestão de Excelência. O levantamento apontou que nas Regiões Sul e
Sudeste ficavam 81 das 100 municipalidades com melhor desempenho nas
finanças. Na ponta inversa, as 93 piores administrações municipais
estavam no Norte e no Nordeste - em correlação forte, mas não
automática, com a renda.
Dez anos após a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar 101/2000), o IFGF Brasil, com a média obtida pelos
municípios pesquisados, chegou a 0,5321 - 1,9% a mais do que o 0,5221
atingido pelo indicador em 2006. O resultado de 2010 coloca o IFGF
nacional no nível de Gestão em Dificuldade e foi negativamente
influenciado pelos gastos com pessoal das cidades, cujo indicador caiu
de 0,6811 para 0,5773 - menos 15,2%. Estabilidade no custo da dívida
(piora de 0,3%) e avanço modesto na receita própria (6,9%) completaram o
quadro de dificuldades. A reduzida melhora foi garantida pelo avanço no
índice dos investimentos, de 9,5%, e na liquidez, de 16,3% - os dois
fatores foram fortemente influenciados pelo crescimento econômico
registrado em 2010, quando o Produto Interno Bruto avançou 7,5%, maior
expansão em 24 anos.
"Só 2% dos municípios tem gestão fiscal de excelência", avalia
Guilherme Mercês, gerente de Estudos Econômicos da Firjan. "A
característica em comum desses poucos municípios é o baixo gasto com
pessoal e o alto investimento. Esse é o binômio do sucesso." O
economista da Firjan lembra que os municípios com contas saneadas têm
maior capacidade de investimentos e destaca que a boa infraestrutura é
um dos principais atrativos de investimentos produtivos, ao lado dos
benefícios fiscais. "Quem tem melhor infraestrutura é quem atrai mais
empresas, por isso as prefeituras precisam investir", afirmou.
Apenas três capitais - Porto Velho (RO), em 12º lugar (por causa da
receita gerada a partir das obras das usinas hidrelétricas de Santo
Antônio e Jirau), Vitória (ES), em 31º, e Porto Alegre (RS), em 92º -
integravam a elite dos municípios brasileiros cuja administração
financeira era considerada excelente em 2010. A lista geral (com todas
as cidades do País) era encabeçada por Santa Isabel (GO), cujo IFGF
chegou a 0,9747, e fechada por Ilha Grande (PI) - IFGF 0,0778. São
Paulo, quarta capital em melhor situação, foi considerada com Boa Gestão
- IFGF 0,7797, 147ª posição nacional. Seu resultado não foi melhor por
causa da dívida com a União e dos baixos investimentos. A cidade do Rio
de Janeiro também obteve o grau de Boa Gestão, com IFGF de 0,6714. Foi a
14ª entre as capitais e 1.006ª no ranking geral, em grande avanço sobre
2006, quando estava no degrau número 2.607.
Apesar o quadro financeiro majoritariamente difícil ou crítico,
alguns dados obtidos na pesquisa mostram avanços que, presumivelmente,
são efeitos da LRF. Apenas 384 (7,3%) das 5.266 cidades gastavam com
pessoal, em 2010, mais de 60% da Receita Corrente Líquida (soma da
arrecadação tributária de um governo, deduzidas as transferências
constitucionais) - limite estabelecido no artigo 19 da Lei 101/00. Menos
de 20% (19%, 1.029 prefeituras) não tinham em caixa dinheiro para
honrar os restos a pagar (despesas de um ano, cujo pagamento é
transferido para o Orçamento do seguinte) - a LRF também estabelece
limites a essa prática. A pesquisa também constatou que 1.686 (32%) dos
municípios investiram mais de 16% das suas receitas.
Mercês reconhece os efeitos positivos da Lei de Responsabilidade
Fiscal sobre as contas das prefeituras, mas adverte que muitas cidades
interpretaram "erroneamente" o teto de 60% para as despesas com
funcionalismo não como um teto a ser evitado, mas como um ponto ao qual
poderiam chegar. "Os gastos com pessoal, no início da década, estavam em
43% da Receita Corrente Líquida, em 2010 chegaram a 50%", diz. "Em
média, o pagamento dos servidores cresceu 7%."
O IFGF vai de 0 a 1 - quanto maior, melhor a situação financeira da
prefeitura - e divide-se em quatro conceitos: A, para quem recebe mais
de 0,8 e 1, considerada Gestão de Excelência; B, para mais de 0,6 e 0,8,
considerada Boa Gestão; C, para a faixa de mais de 0,4 e 0,6, a Gestão
em Dificuldade; e D, para a faixa de zero a 0,4, Gestão Crítica. Os
técnicos da Firjan atribuíram nota máxima para as cidades que conseguem
obter pelo menos 50% de receita própria, mas 83% não consegue gerar nem
20% do que precisam para manter funcionários e serviços. São 4,3 mil
prefeituras que dependem excessivamente dos repasses de estados e
municípios.
"Somente 83 cidades do Brasil têm recursos próprios para cobrir
gastos com pessoal. A maioria vive no fio da navalha, com altos gastos e
receitas incertas. A dependência de repasses deixa esses municípios
sujeitos a crises recorrentes", diz Mercês. Um exemplo é a grita
provocada entre prefeitos de estados produtores de petróleo com as
mudanças na distribuição de royalties aprovada no Congresso.
Situação boa. Mais de um terço das cidades
brasileiras (34,6%, ao todo 1.821 municipalidades) estava em situação
considerada boa em 2010. Além de São Paulo e Rio, outras 14 capitais
estaduais estão nessa situação: Campo Grande (MS), Florianópolis (SC),
Rio Branco (AC), Recife (PE), Manaus (AM), Belém (PA), Belo Horizonte
(MG), Teresina (PI), Rio de Janeiro (RJ), Goiânia (GO), Fortaleza (CE),
Palmas (TO), Aracaju (SE) e João Pessoa (PB). A maioria das capitais
ficou atrás de cidades médias ou pequenas, como Paulistânia, a primeira
das cidades com "Boa Gestão", com Conceito B - IFGF 0,7998. Quase metade
dos municípios (2.302, ou seja, 43,7%) ganhou Conceito C - Gestão em
Dificuldade. Outras 1045 cidades (19,8%) levaram nota D - Gestão
Crítica. "A cultura da responsabilidade fiscal ainda não se consolidou
no País", resume Mercês.
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