Ontem senti vergonha do Brasil porque finalmente caí na real: este
país está longe de ter condições de assumir a posição que já poderia ter
assumido há muito tempo no concerto das nações se esta não fosse uma
terra em que ocorrem as barbaridades que vêm ocorrendo desde há uma
semana com uma campanha difamatória repugnante, sem fundamento e
endossada até pelas mais altas autoridades.
Desde as primeiras horas da manhã até quase o fim da noite de
sexta-feira o país foi bombardeado por uma onda de boatos e notícias
falsas sobre a presidente Dilma já ter se decidido a demitir o ministro
do Esporte, Orlando Silva, com base nas denúncias levianas da revista
Veja e de um policial militar que ficou milionário repentinamente.
Se fosse uma boataria anônima, porém, não haveria o que estranhar ou
lamentar. Boateiros existem em qualquer parte. Todavia, tudo foi feito
pela grande imprensa do país. Os portais iam amontoando acusações ao
ministro-alvo a espaços de não mais do que uma hora, uma hora e pouco,
enquanto chamadas nas home pages dos portais da mídia reiteravam
garantias de que de ontem o alvo não passaria.
Propriedades de Silva ditas falsamente incompatíveis com a sua renda,
declarações arrancadas da Fifa pela mídia após a entidade ser
(des)informada pela matéria do Estadão, acusação contra a esposa do
ministro do Esporte apresentada como “furo” de reportagem pelo Estadão
apesar de ter se baseado em matéria divulgada à farta no Diário Oficial
da União.
Mas isso não é o pior. Enquanto essa farsa vergonhosa esbofeteava o
país, as instituições e autoridades da República assistiam a tudo ou
acumpliciadas com a comédia ou, ao menos, paralisadas de medo – ou seria
pavor? – de atraírem a fúria midiática, pois esta tem, hoje, poder de
difamar e condenar qualquer um sem qualquer prova e sem que nada
aconteça.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, por exemplo. Recebeu
pedido de Orlando Silva para que fosse investigado e, apavorado pela
hipótese de a mídia dizer sobre si que era parcial, como fez quando não
abriu investigação contra Antonio Palocci, enviou pedido de abertura de
inquérito ao Supremo Tribunal Federal sem nem ouvir o acusado, mudando
seletivamente o procedimento-padrão do Ministério Público.
O governo, em vez de desmentir imediatamente a matéria do Estadão que
garantia que o ministro do Esporte já estaria “demitido” – até para
preservar a imagem da presidente da República, que, poucas horas antes,
garantia que não haveria demissão alguma enquanto não surgissem provas
–, deixou que proliferasse a enxurrada de matérias anunciando sua
demissão sumária.
O partido do governo, o PT, idem. Apavorado, deixou o aliado mais
fiel durante o escândalo do mensalão, o PC do B, ser espancado e
caluniado em praça pública sem uma mísera declaração contundente de
apoio.
Em suma: nenhum mísero homem público ou instituição teve a coragem e a
decência de desmentir e repudiar a onda de boatos falsos e as matérias
dos colunistas e blogueiros da grande mídia que não param um minuto de
chamar de corruptos não só os comunistas e o ministro, mas cada cidadão
comum, sem partido mas com opinião e senso de justiça que se rebelou
contra a vergonha midiática.
No meio de tudo isso, uma luz: o Partido Comunista do Brasil e seu
ministro, unidos e uníssonos, garantiram que não haveria pedido
demissão. Um sopro de coragem em meio à escandalosa covardia que se
abateu sobre as instituições brasileiras diante de uma das farsas mais
vergonhosas da história recente, da tentativa de destruir um cidadão sem
um mísero elemento de prova.
Não, não estamos preparados para assumir o nosso papel no concerto
das nações. Este país ainda não se civilizou suficientemente. Temos uma
imprensa corrupta até o âmago, capaz de anunciar a demissão desonrosa de
um cidadão e ministro de Estado com base em nada além da própria
vontade, na certeza de que seria “obedecida”. E ainda insinuando que a
presidente da República mentira ao dizer que demissão não haveria.
Um país não progride com uma imprensa tão corrupta e irresponsável que se porta como militante política, que inventa notícias, que inventa denúncias, que difama sem provas, que esconde e distorce fatos, e com instituições e homens públicos covardes, incapazes de se indignar e de defender a verdade e a justiça.
Neste sábado o país ainda tem pela frente nova armação da Veja, que
promete para hoje, finalmente, provas que prometera apresentar na última
segunda-feira e que até agora ninguém sabe, ninguém viu. Em seguida,
nova onda de “notícias” sobre nova demissão “garantida” do ministro,
pouco importando o que diga a chefe do Poder Executivo, a única que pode
demitir alguém no governo federal.
Ontem senti vergonha deste país e ainda não me livrei dela. Mas o pior é a desesperança. Ainda não chegou a vez do nosso Brasil.
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