A
"lista suja" do governo federal com os nomes de pessoas ou
empresas que empregaram mão de obra análoga à escrava está cada
vez maior. Na última edição do Cadastro de Empregadores,
atualizado semana passada pelo Ministério do Trabalho, constam 249
nomes - o maior número desde a criação da lista, em 2004.
Como
comparação, em julho do ano passado, eram 151, um salto de 65%. De
acordo com o ministério, esse aumento se deve ao aperto da
fiscalização diante de novas denúncias.
Casos
mais recentes flagrados em fiscalizações, como o de oficinas de
costura subcontratadas pela multinacional Zara, onde havia bolivianos
escravos, ainda não estão no cadastro.
Esta
última versão da lista mostra que 183 infrações foram constatadas
em fazendas, mas há casos em carvoarias (12), construtoras (4),
serrarias (2), empresas de ferro gusa, auto guincho e destilarias. O
total de trabalhadores resgatados nestes locais soma 7.963. O Pará é
o estado que mais concentra empregadores que usaram mão de obra
escrava (62), seguido do Mato Grosso (25). O Rio não aparece na
relação.
Inclusão
na lista impede financiamentos públicos
No
cadastro, entram os empregadores autuados pelo Ministério do
Trabalho, e cujos autos de infração não possam mais ser objeto de
recurso administrativo. Porém, como eles podem entrar com medidas
judiciais pedindo a retirada do nome da lista, ela pode mudar com
mais frequência. Se não entrar com recursos, uma empresa, em caso
considerado célere, pode levar nove meses para entrar no cadastro.
Os
empregadores ficam no cadastro por pelo menos dois anos. Quem está
lá não consegue empréstimos em bancos públicos, como o BNDES, a
Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil.
-
Depois desses dois anos, não havendo reincidência e as multas
decorrentes da ação fiscal tendo sido pagas, nós somos obrigados a
excluir o nome do cadastro - explicou o chefe da Divisão da
Fiscalização do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho,
Guilherme Moreira.
Na
lista, alguns casos chamam a atenção, como o de uma fazenda da
Agrisul Agrícola Ltda no Mato Grosso do Sul, onde 1.011 cortadores
de cana foram resgatados em 2009, e o de um empregador reincidente,
flagrado em 2003 e em 2004, em uma fazenda no Maranhão.
Segundo
Moreira, o aumento no número de empregadores cadastrados se deve ao
fato de a população estar mais atenta à existência do trabalho
escravo, e mais propensa a denunciar. Porém, para a Comissão
Pastoral da Terra (CPT) a fiscalização tem deixado a desejar.
-
Os fiscais às vezes levam um mês para chegar ao local da denúncia,
e aí a situação já se desmanchou - critica Xavier Plassat,
coordenador da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da
CPT.
Outra
fonte de preocupação são as denúncias em área urbana, como as de
bolivianos escravizados em oficinas de costura em São Paulo, num
momento de forte expansão do trabalho com carteira assinada.
-
De 20 anos para cá, a produtividade no nosso setor está aumentando,
mas o número de trabalhadores, não. Era uma conta que não fechava,
porque nossa tecnologia ainda não é de ponta. E descobrimos que
estava acontecendo esse problema, das oficinas clandestinas, onde
estavam trabalhando imigrantes latinos, bolivianos. E que, nelas,
existiam trabalhadores em condição análoga à escravidão - afirma
Eunice Cabral, presidente do Sindicato das Costureiras de São Paulo
e Osasco.
Na
última quinta-feira, o GLOBO presenciou parte do sofrimento de uma
família de bolivianos que pediu socorro ao sindicato. O problema se
repete com centenas de outros bolivianos, que trabalham em casas,
galpões e porões de bairros centrais da capital, como Pari, Brás e
Bom Retiro.
Depois
de aguentarem por três meses uma jornada de 17 horas de trabalho por
dia, o quarto sem janelas na casa com o esgoto arrebentado, a família
do boliviano N., de 28 anos, decidiu fugir da oficina de costura onde
vivia e trabalhava, em regime análogo à escravidão.
-
Tínhamos a ilusão de que a oportunidade de trabalho aqui seria
outra. Eu trabalhava 17 horas por dia, não podia parar nem para usar
o banheiro - contou N., que registrou queixa na polícia e teme
represálias. Sua mulher, V., de 23 anos, grávida, chegou a ser
agredida pelo patrão.
Há
300 mil imigrantes bolivianos no país
O
consulado boliviano estima que cerca de 300 mil imigrantes, legais e
clandestinos, vivem hoje no Brasil, sendo que 250 mil estariam em São
Paulo. Muitos trabalham em oficinas a portas fechadas, sem registro.
Eles
veem o esquema como uma espécie de "cooperativa", onde
grupos de famílias e agregados trabalham, comem e dormem juntos. O
salário, pago por peça costurada, chega a cerca de R$400. Para
esses costureiros, o valor representa o fim da miséria vivida na
Bolívia.
Eles
decidiram escapar quando cobraram seus salários e ouviram uma
negativa, acompanhada de ameaças de expulsão e até de morte.
-
Nessa casa, estava tudo esburacado, com goteiras e esgoto quebrado.
Tinha ratos e baratas. Nosso quarto era minúsculo, não tinha janela
e passamos frio - conta V.
Casos
como o dos patrões dos bolivianos, no entanto, podem ficar sem
punição na área criminal, pois os poucos dados disponíveis na
esfera penal preocupam. Em Mato Grosso, dos 110 denunciados pelo
Ministério Público Federal pelo crime de redução a condição
análoga à de escravo de 2002 a 2011, só um foi condenado. Em São
Paulo, foram feitas denúncias contra 45 pessoas e apenas dez foram
condenadas.
Fonte:
O Globo
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